Ainda há robertos. A bem dizer quem se esquece deles? Para montar o espectáculo, não é preciso camiões de tralha, nem engenheiros de som, nem técnicos de service para o que der e vier. Um pano escuro tapa quem dá vida aos robertos e nem sequer é preciso grande rigor no guião, os enganos, sussuros e deixas trocadas com voz anasalada dão ainda mais ânimo à peça montada em qualquer espaço mínimo. Os robertos são fantoches, manuseados com a mão envolta na personagem, por isso, diferentes das marionetas que têm 'cordelinhos' lá do alto, na realidade, uns e outros estão até muito próximos da vida real, sobretudo daquela que é vivida em algumas empresas. Coexistem.
Nos espectáculos dos robertos há sempre o bonzinho e o outro; o outro, tanto pode ser o mau-da-fita como apenas o esperto, mas é sempre o outro. Quase sempre o 'outro' leva a melhor sobre o bonzinho, donde se conclui que a vida é feita, em grande parte, para o outro lado. No entanto, como final pedagógico, o tal bonzinho termina a peça invariavelmente vencedor, mesmo que tenha perdido tudo.
A vida é um espectáculo, disso, não restam dúvidas. Assiste-se de camarote, de plateia ou simplesmente em pé; opto pela última. Sempre é mais vertical.
Créditos: imagem vicenteatro.com
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. […]
'Pátria'- Guerra Junqueiro, 1896