O 'american dream' já não é o que costumava ser: os chavões mais ou menos recentes como 'globalização' e 'deslocalização' tomaram de assalto o tal sonho americano. Na verdade, sonho ou pesadelo, não é exclusivo norte-americano; o mesmo se passa por cá. O regresso aos trabalhos forçados, às semanas sem descanso, às longas e monótonas horas agarrados aos cêntimos da sobrevivência, são o real panorama de muitos que se contentam com nada ao 'serviço' de empresas, empresários e políticos merdosos e gananciosos. A série de documentários 'The OutsourcingReport' que, embora digam respeito à actualidade norte-americana, são de igual forma válidos para outros países ditos desenvolvidos, onde curiosamente, este nosso se insere.
Uma vez que estão todos à espera que eu opine, pronto, aqui vai: não gosto. Percebo que a dupla Siza&Souto fiquem apoquentados com tão douta e profunda opinião, mas olhem, quem dá o que tem... E não, não considero 'piroso' ter uma avenida com canteirinhos de flores e relva, uma calçada artística, uns bancos de jardim vermelhitos e caca de pombo. A nova versão da portuense Avenida dos Alienados, digo, Aliados, é uma bosta de pombo tamanho XXL. Não sou, por norma, um tipo resistente à mudança, mas se esta implica destruir para não melhorar, então, o escudo defensivo eleva-se.
'Tripeiro' por adopção durante os anos que vivi na Invicta, sempre foi a minha cidade de eleição bem à frente da natal Lisboa, e, talvez por isso, não consigo embeber esta nova paisagem de enorme pista de skate encimada por um 'lava-pés' generoso, naquela que durante décadas foi considerada a sala de visitas do Porto e que ainda hoje, teimosamente, ilustra websites e brochuras recentes de organizações internacionais ligadas ao turismo, ilustrações essas que não contemplam ainda a sua nova realidade. Se pensam que têm ali um grande e belo projecto, é porque estão a ver mal. Muito mal.
Ora aqui está um par de livros que não se vê todos os dias: cães & gatos que ficaram para a história. Devo dizer que fiquei surpreendido quando abri a newsletter da editora Guerra & Paz e até pensei, no primeiro embate, que se tratasse de um título camuflado; mas não.
Sam Stall -o autor- parece ser um amigo dedicado à espécie e tem outras obras ao redor dos pequenos canídeos e felinos. Sabia que Peritas, o cão, impediu Alexandre, o grande, de ser morto por um elefante? Ou que Black Shuck serviu de inspiração para a obra 'O cão dos Baskervilles'? Pois é.
Foi preciso ver o 'Conta-me como foi' para me recordar de algo há muito esquecido: o responso. Neste caso, o responso a Sto. António, eterno vigilante das coisas perdidas, contudo, desde que não perdidas há demasiado tempo, porque nestas coisas também existe um prazo de validade. E mais: não é admitido engano na invocação. Se ele ocorrer -o engano- é meio caminho andado para que aquilo que foi perdido, não se ache mais. As invocações existem em versões mais alongadas ou curtas e incisivas como esta:
Contra males e demónios rezar sempre a Santo António aplaca as fúrias do mar tira os presos da prisão e o perdido faz achar apareça , apareça o diabo sem cabeça.
A encenação é de igual modo necessária: uma cadeira voltada de pernas para o ar com um lenço com nó e por sua vez atado a uma das pernas, ou, o mesmo lenço preso debaixo de um pé de mesa, simboliza que dali Belzebu não sai, preso pela cauda. Esse, pelo menos, não atrapalhará o achado. Diz a voz do povo, que é infalível. E nestes assuntos, o povo é quem mais ordena. Eu, não sei. Recordo-me sim, de ver e ouvir quando era garoto algo do género, do mesmo modo que ouvia os mais velhos falar da 'influência da lua' nas criancinhas que 'até podia ser fatal'. Para prevenir, ao terceiro dia após o nascimento, seria conveniente 'oferecer' o menino ou menina 'à lua' para que ela não entrasse, no tal modo mais desgraçado. Na soleira da porta, o ritual dizia-se assim:
[...]E quando arrastas milhares de homens, mulheres e crianças para as câmaras de gás, mais não fazes que cumprir o que te mandam, não é assim, Zé Ninguém? És tão inofensivo que nem sequer te dás conta do que se passa. És um pobre diabo que nada tem a dizer, sem opinião própria; quem és tu para te meteres na política? Eu sei, já te ouvi a mesma tirada com frequência. Mas deixa-me perguntar-te: porque não cumpres o teu dever quando alguém te afirma que és responsável pelo teu trabalho, ou que não deves bater nas crianças, ou seguir ditadores? Onde está então o teu sentido do dever, a tua inócua obediência? Não, Zé Ninguém, tu não ouves quando fala a verdade, só podes ouvir o ruído sem sentido. E gritas então “Viva!”.
És cobarde e cruel, sem o mínimo senso do teu verdadeiro dever, o de ser humano e preservar a tua humanidade. És uma medíocre imitação do sábio e extraordinária a da do ladrão. Os teus filmes, programas de rádio e histórias de quadradinhos abundam em toda a espécie de crimes. Terás de arrastar ainda durante séculos a tua mediocridade antes de poderes tornar-te senhor de ti próprio. Se me separo de ti é a fim de melhor poder servir o teu futuro. Porque à distância não podes atingir-me e tens mais respeito pelo meu trabalho. Desprezas o que te está perto. Colocas os teus lideres em pedestais porque doutra forma não poderias “fazer de conta” que os respeitas. É, por isso que, desde que a história é história, os grandes homens sempre souberam manter-te à distância.[...]